“O silêncio também faz parte da música.”
Trecho da entrevista de Jean-Yves Leloup ao Comunidade VIP, em dezembro 2016.
“Amar o outro é renunciar a possuí-lo.”
Como descobriu a espiritualidade?
Nasci numa família de ateus. Tive formação muito racionalista. Saí da casa de meus pais para conhecer o mundo. Com apenas 19 anos, fiquei muito doente em Istambul (Turquia), em decorrência de uma comida estragada. E ali, naquela cidade, vivi uma experiência impressionante. Fui declarado clinicamente morto e até quiseram me enterrar. Quando voltei ao meu corpo, comecei a me interrogar: “O que não morre, quando todo o resto morre?”. Há o momento em que o pássaro sai da gaiola, e também há o momento em que o voo sai do pássaro. Nesse momento em que o voo sai do pássaro, tem um instante de luz e de presença que permanece. Em Istambul, encontrei o patriarca Atenágoras, da Igreja Ortodoxa, que me levou até um ícone do Cristo. Ao lado desse ícone estava uma inscrição em grego, que dizia “Eu Sou”. Naquele momento, o “Eu Sou” não eram meras palavras, mas o que eu tinha acabado de viver, durante a morte clínica. E foi a partir desse momento que me interessei pelo Cristianismo.
Nas chamadas “experiências de quase morte”, há relatos de pessoas que vêem um túnel de luz ou imagens referentes a sua crença. O que o senhor viu, naquela hora?
Vi apenas a vastidão, pois meu inconsciente não guardava nenhuma imagem religiosa. Foi até normal não ter visto nada. Senti apenas o espaço que contém todas as coisas. É como se estivesse vendo o dia, ao invés das coisas que aparecem no dia. E o dia permanece. Em latim, a palavra “dia” quer dizer dies, que, por sua vez, significa Deus. Essas palavras têm a mesma raiz, no latim. Então, ver o dia é ver Deus.
Ultimamente, surgiu uma onda de livros em defesa do ateísmo, vindos de autores como o biólogo inglês Richard Dawkins e o jornalista inglês Christopher Hitchens. O que acha desse movimento?
Depende de qual imagem de Deus estamos rejeitando. Em nível psicológico, muitos ateus estão rejeitando aquilo que eles viveram no passado. Mas o Deus que eles estão rejeitando muitas vezes não tem nada a ver com o Deus verdadeiro. É, simplesmente, uma certa imagem ou representação divina que eles estão rejeitando. A questão é o que fazer com a religião, Deus e a razão. Com a mesma flor a abelha pode fazer o seu mel e a vespa pode fazer o seu veneno. E a culpa não é da flor.
As religiões cristãs em geral são caracterizadas como dogmáticas. Como funciona essa questão para você?
Na origem, o dogma era um paradoxo. Era algo feito para despertar a consciência para além do funcionamento binário do cérebro. Por exemplo, o dogma que diz que Cristo é verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus tem o sentido de ultrapassar, ir além da consciência ordinária. O dogma então é um pouco como o Koan, do japonês. Ou seja, um paradoxo que nos ajuda a ir além da razão, mas sem perder a razão. Mas hoje em dia o dogma é confundido com dogmatismo, que significa obrigar alguém a acreditar em algo. Isso é destrutivo. O dogma, na realidade, foi criado para que saíssemos do dogmatismo. É um convite para que verifiquemos se isto é verdade.
“Tudo o que fazemos sem amor é tempo perdido; tudo o que fazemos com amor é a eternidade reencontrada.”