Um Sol Coração

Onde a vida está? Onde tu és?

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Kronos e Kairós

“O tempo pode ser medido pelas batidas do relógio ou pelas batidas do coração.” Rubem Alves

“Kronos é o tempo mensurado com horas, dias, meses e anos. É o tempo linear, do qual não podemos fugir. É finito, metódico, controlado, igual para todos.

Kairós significa o “momento certo ou oportuno”. Refere-se a um aspecto qualitativo do tempo.

Nosso dia a dia é marcado por esses dois tempos, enquanto Kronos quantifica, Kairós qualifica.

Quando estamos ansiosos, preocupados, envolvidos em uma atividade pouco gratificante ou à espera de notícias, olhamos o relógio de minuto em minuto e o tempo parece não passar. Por outro lado, quando estamos plenamente envolvidos no que fazemos e a atividade nos dá imenso prazer, o tempo voa, parece que passa rápido demais. Esse é o tempo do Kairós, o tempo da alma…

Tecer mandalas nos leva a viver na dimensão de Kairós, no tempo que alimenta a alma.”

Eliane de Lucca

 

* Mandala em Fios por Eliane de Lucca – Mandalas Olho de Deus

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O que falar da morte? – Rubem Alves

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“O que falar da morte?”

As Sagradas Escrituras sugerem que o silêncio é a palavra mais significativa que se pode falar diante da morte. Porque no silêncio não dizemos nada. O silêncio é como uma taça vazia que, por ser vazia, permite que a pessoa que está sofrendo recolha nela todas as suas lágrimas, que nós não conhecemos.

 

“Me ajuda…”

Foi-me relatado por um amigo médico. Ele estava ao lado de um menino, onze anos, segurava suas mãos. O menino estava morrendo. O menino olhou para ele, apertou sua mão e disse: “Tio, como é difícil morrer! Me ajuda a morrer…”.

 

Trecho do livro (e-book) Ostra Feliz Não Faz Pérola – Rubem Alves

“Pensamentos da hora da morte” – Rubem Alves

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Tive uma amiga, professora da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, que adorava escalar montanhas. Por que escalar uma montanha? Ela respondia: “Porque ela está lá…”. Cada pico coberto de neve lhe era um desafio irresistível!

Pois ela me contou o seguinte: ela e um grupo de amigos escalavam uma montanha gelada, se não me engano no Peru ou no Equador. Os membros do grupo, por segurança, estavam todos amarrados uns nos outros. De repente, um deles escorregou e começou a deslizar encosta abaixo. Os outros foram arrastados com ele. Os alpinistas levam uma mini-picareta amarrada ao pulso. Enquanto ela deslizava montanha abaixo, possivelmente para a morte, não pensou sobre a morte. Não sentiu terror. Começou a pensar irrelevâncias. Seus braços jogados para cima, a picareta pulava de um lado para o outro acima da sua cabeça. E o que ela pensou foi: “Como são perigosas essas picaretas! É preciso fazer algo para diminuir o seu perigo!”. Quatro dos seus amigos morreram. Ela sobreviveu.

Pois algo parecido aconteceu com meu querido amigo Carlos Rodrigues Brandão, que não morreu por pouco. Viajava de ônibus para uma pequena cidade do Triângulo Mineiro. O ônibus se chocou com um caminhão. Ele foi projetado contra o banco da frente e teve vários ossos do rosto fraturados. Sentiu-se sem movimentos e sem sensibilidade no corpo. Imaginou que a medula havia se rompido. O sangue jorrava e escorria pelo rosto. Pensou que iria morrer. Então rezou agradecendo a vida que estava por terminar. Mas repentinamente lhe veio um pensamento: “O Rubem planta uma árvore no seu sítio para cada amigo que morre. E eu não lhe disse qual a árvore que quero que plante para mim. Como é que ele vai fazer? Deveria ter-lhe dito que eu quero que plante uma paineira branca…”.

O Brandão está bem, boca amarrada, comendo por um canudo, chupando sopa fazendo barulho… Já ganhei uma muda de paineira branca, linda e rara. Acho que não vai fazer mal plantá-la agora. A minha árvore já está plantada, com mais de três metros de altura…

 

Trecho do livro (e-book) Ostra Feliz Não Faz Pérola – Rubem Alves

“Sobre a vida e a morte” – Rubem Alves

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Sobre a vida e a morte

Somente aqueles que se tornam discípulos da morte sentem a doçura da vida.

Quem não é discípulo da morte fica sempre achando que ainda há muito tempo e, com isso, não se dá conta dos morangos que há à beira do abismo.

Ele pensa que há um lugar onde se chegar. Não há.

Todos os caminhos levam ao mesmo fim.

Na vida só há o caminho…

 

Trecho do livro (e-book) Ostra Feliz Não Faz Pérola – Rubem Alves

“Sonho” – Rubem Alves

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Sonho

Ela estava com câncer. Sabia que iria morrer. Mas não queria morrer. Era muito cedo. Havia muita coisa a ser vivida. Então, teve um sonho. Era um jantar, muitos amigos reunidos, comendo.

Aí um garçom dirigiu-se a ela e segurou a borda do seu prato para tirá-lo. Mas ela não terminara ainda! A comida estava gostosa. Seu prato estava cheio. Segurou então o prato para impedir que o garçom o levasse.

Ela queria comer tudo o que estava no seu prato, até o fim. Houve um momento imóvel: o garçom, decidido a levar seu prato, e ela, decidida a não deixar que ele o fizesse. Passados alguns segundos nesse impasse, ela olhou para o garçom, sorriu, largou o prato e disse: “Pode levá-lo…”.

 

Trecho do livro (e-book) Ostra Feliz Não Faz Pérola – Rubem Alves

A menina e a pantera negra – Rubem Alves

É uma (longa) história infantojuvenil que trata da reconciliação dos opostos. Mas vale a leveza da pena…

“A menina abriu a janela (seu nome era Bianca) e ela estava lá, deitada à sombra da figueira secular: uma pantera negra. Quieta, absolutamente tranquila, pelo reluzente. Apenas a cauda se mexia ritmicamente.

Seus olhos, profundos e terríveis, olharam a menina. E foi então que o felino a chamou pelo nome: Bianca…

Havia quase ternura em sua voz, mas a menina, aterrorizada, fugiu. Não tanto por medo da pantera, mas por medo do seu chamado. Bianca… Era como se ela já a conhecesse de longa data e estivesse voltando para um reencontro.

A menina correu para o pai. Para quem mais correria, num momento como esse?

– Papai, eu vi uma pantera negra. Deitada debaixo da figueira. E me chamou pelo nome…

Havia muito medo em sua voz. Seu pai não se assustou. Sabia que as panteras negras não aparecem assim, no quintal das casas. Panteras são animais que vivem longe, muito longe, nas matas.

– Acho que você teve um pesadelo, minha filha. Não há panteras negras por aqui. Sonho ruim na hora de acordar…

– Não, não – disse ela. Sei que não foi. Por favor, venha! – e puxou o pai pela mão.

Ele a acompanhou até a janela do quarto, para tranquilizá-la. E, de fato, nada havia sob a figueira. Estava como sempre…

– Eu não lhe disse? Não há panteras por aqui – Sua voz era sábia e tranquila. Tudo voltou ao normal. Bianca acreditou que tudo não passara de uma visão. Algumas pessoas vêem santos dos céus, e são beatificadas. Outras vêem feras selvagens das florestas e são aterrorizadas. Mas ela não conseguiu esquecer a forma como a chamara: Bianca…

No dia seguinte, já se esquecera de tudo. E, como sempre, abriu a janela que dava para a figueira. E lá estava de novo.

– Bianca… – repetiu, desta vez com um pouco mais de força. A menina correu para o pai.

– Venha, venha depressa…

Desta vez, ela não fugiu. Ficou lá, tranquilamente. O pai correu para o seu rifle, mirou a pantera e atirou. Mas nada aconteceu…

A pantera levantou-se, sem pressa, e retirou-se vagarosamente, movimentando a cauda.

– Faremos tudo para espantar esse animal que está assustando minha filha. E assim penduraram nas árvores e cercas guizos, sinos e latas, pois animais da selva se assustam com ruídos diferentes. Acenderam fogueiras ao redor da casa, pois eles temem o fogo. E encheram o quintal de pessoas, já que eles fogem dos homens (por horror ao cheiro doméstico).

Era uma complexa rede de defesas, montada para afugentar a pantera que assustara a criança com seu chamado. – Bianca… – A pantera desapareceu. Não mais aparecia sob a figueira, pelas manhãs. Durante todo o dia, era como se não existisse. Mas logo que caía a noite os seus rugidos começavam a ser ouvidos, e ora pareciam ferozes, ora tristes, como se lamentassem algo.

Por vezes ouviam-se ruídos nas portas, patas arranhando, e pela manhã sinais de garras podiam ser vistos na madeira. Se algo assim acontecia durante a noite, e o pai de rifle em punho abria a porta, pronto para atirar e matar, não se via coisa alguma.

Lá fora tudo estava tranqüilo, as sombras das árvores, o ruído do vento. Depois de muito tempo, convenceram-se de que a pantera negra deveria ser um ser mágico, que nenhuma bala poderia matar e nenhuma armadilha prender.

Acontece que por ali havia um sábio (muitos o consideravam feiticeiro), conhecedor das coisas misteriosas do dia e da noite, da vida e da morte. E resolveram consultá-lo.

– Entendo o seu medo – disse ele a Bianca – Tudo o que se desconhece é terrível. E de forma especial a pantera negra. Por um lado, é tão linda e segura de si, pelo macio e brilhante, que seria bom agradar. Mas é também coisa selvagem, que ataca de repente, filha da noite, carregando a morte nos dentes e garras.

– Que devemos fazer para nos livrar dela? – perguntou o pai de Bianca, ansioso por uma receita.

– Nada – respondeu o sábio. As panteras só conseguem falar quando estão amando. Ela está amando você, Bianca. E não a abandonará por nada neste mundo. Ela a escolheu. Agora é sua.

– Mas não a quero – disse a menina em desespero. Que é que posso fazer com uma pantera? Desejo mesmo é me livrar dela.

– Isto é impossível, respondeu o feiticeiro. Você só tem duas alternativas: ou a deixa de fora, e ela continuará a assombrar o seu sono durante a noite, ou você deixa que ela entre, e ela se tornará sua amiga…

– Mas como posso fazer isso? – perguntou Bianca.

– É simples. As panteras selvagens são domadas quando aprendemos a dizer seu nome. Descubra o seu nome e chame-o durante a noite. Ela virá…

– Mas como descobrir o nome da pantera? –perguntou Bianca.

– Isto eu não sei – respondeu o sábio. Você terá de descobrir por conta própria…

Com estas palavras, deu por encerrada a conversa. Bianca e seu pai voltaram perplexos para casa. Parecia coisa impossível e louca a tarefa que o sábio lhes dera: descobrir o nome da pantera. Consultaram domadores de animais, escreveram para jardins zoológicos, examinaram livros especializados, colecionaram dezenas de nomes. Tudo em vão. A pantera não atendia.

– É porque nenhum destes é o nome da pantera – disse-lhes o sábio, numa outra ocasião. São os nomes que os homens lhe deram. É preciso aprender o nome dela, que mora no seu corpo…

Naquela noite Bianca sonhou. A pantera estava lá, debaixo da figueira. Olhava para a menina e lhe dizia:

– Meu nome é o inverso do seu… E desapareceu.

Esta, pelo menos, era uma pista: o inverso do nome de Bianca. Brincou de inverter as letras, para ver se significavam algo. Leu o seu nome refletido no espelho. Investigou as razões pelas quais lhe haviam dado este nome.

– É porque você, ao nascer, era branca, muito branca, como a Branca de Neve. E assim, a batizamos de Bianca.

Mas tudo era inútil. O enigma continuava.

– Meu nome é o inverso do seu…

Aconteceu, entretanto, que houve uma noite em que Bianca e seu pai olhavam velhos retratos. Em um envelope estavam os negativos. Bianca tomou um deles e observou contra a luz. Era ela, não havia dúvidas.

– Que gozado, papai – disse ela. No negativo meu rosto está preto. É o inverso…

Subitamente ela parou, olhando no vazio, como se houvesse viso algo inesperado. E gritou:

– É isto, o inverso… O negativo é o inverso. O inverso do meu nome – Bianca, branca, é negro. O nome da pantera deve ser Negra, o meu lado noturno. Não é assim? Luz e escuridão, dia e noite, Bianca e Negra…

Exultante, num misto de alegria e medo correu para a porta, abriu-a para as sombras das árvores e o ruído do vento e disse:

– Negra, Negra…

Ouviu-se um leve barulho nas folhas do jardim e a pantera Negra se aproximou, tranquila como sempre. Lambeu as mãos da menina e deitou aos seus pés. E quando Bianca acariciou o pelo negro da pantera adormecida sentiu uma enorme sensação de felicidade. Nunca mais teria medo. Quem tem a pantera Negra como amiga não precisa temer mais nada.”

Comentários e explicações do autor:

Uma menina me pediu que lhe interpretasse um sonho: vira uma pantera negra dentro de casa e estava com medo.

Pude escrever a história porque eu também vira a mesma pantera e também tivera medo.

Todos, se prestarem atenção e houver bastante silêncio, pelas noites, ouvirão os seus rugidos discretos e sentirão um calafrio pela espinha.

Ela mora em nosso mundo interior e frequenta as nossas sombras. É o nosso lado negro.

Os seus nomes são muitos, há um tempo fascinantes e amedrontadores.

Porque a Pantera Negra é bela e terrível… mas há também a menina, Bianca, luminosa, diurna, sem sombras…

A Pantera Negra, sem a Menina, é selvagem e mortal.

A Menina, sem a Pantera, é fraca e ingênua.

É preciso que se tornem amigas.

Reconciliação dos opostos: O Branco e o Negro, o Amor e a Força, a Vida e a Morte, Yin e Yang.

O fogo que nos transforma – Rubem Alves

Preciosa mudança… é preciso no impreciso mudar.

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“Como o milho duro, que vira pipoca macia, só mudamos para melhor quando passamos pelo fogo: as provações da vida.

A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação por que devem passar os homens, para que eles venham a ser o que devem ser. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, mas que, pelo poder do fogo, podemos, repentinamente, voltar a ser crianças!

Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. O milho de pipoca que não passa pelo fogo, continua a ser milho de pipoca. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira.

O fogo é quando a vida nos lança em uma situação que nunca imaginamos. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre.

Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão – sofrimentos cujas causas ignoramos.

Há sempre o recurso dos remédios que apagam o fogo. Sem fogo, o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação. Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro, ficando cada vez mais quente, pense que a sua hora chegou: “vou morrer”.

De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Mas subitamente, a transformação acontece: pum! – e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado.

Mas existem pessoas PIRUÁS que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. Ignoram o dito de Jesus: “Quem preservar a sua vida, perdê-la-á.” – A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira.

Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém.

Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam os piruás, que não servem para nada. Seu destino é o lixo.

Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira…”

 

* Rubem Alves (1933-) é escritor, pedagogo, teólogo e psicanalista.

Medo é Guardião?

“A alma é uma borboleta, há um instante em que uma voz nos diz que chegou o momento de uma grande metamorfose…” Rubem Alves

“Todos querem a cura, mas a maioria teme mexer em suas feridas por medo da dor que ela causa.

O medo está sempre protegendo alguma coisa. E olhar de frente para o medo a ponto de compreender o que ele está guardando é o primeiro passo para superá-lo.

O medo é um guardião; ele guarda a chave que abre a porta do seu próximo estágio evolutivo.

Portanto, isso que o medo está guardando é o que precisa ser identificado, aceito, integrado e compreendido.

Mas você tem medo de abrir essa porta justamente porque terá que entrar em contato com a dor que gerou esse mecanismo de defesa.” Sri Prem Baba

“Ostra feliz não faz pérola”

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“Ostras são moluscos, animais sem esqueleto, macias, que representam as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, com pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas – são animais mansos –, seriam uma presa fácil dos predadores. Para que isso não acontecesse, a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem. Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário.

Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste. As ostras felizes se riam dela e diziam: “Ela não sai da sua depressão…”. Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor. O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava seu canto triste, o seu corpo fazia o trabalho – por causa da dor que o grão de areia lhe causava.

Um dia, passou por ali um pescador com o seu barco. Lançou a rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-as para casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro de uma ostra. Ele o tomou nos dedos e sorriu de felicidade: era uma pérola, uma linda pérola. Apenas a ostra sofredora fizera uma pérola. Ele a tomou e deu-a de presente para a sua esposa. Isso é verdade para as ostras. E é verdade para os seres humanos.

No seu ensaio sobre O nascimento da tragédia grega a partir do espírito da música, Nietzsche observou que os gregos, por oposição aos cristãos, levavam a tragédia a sério. Tragédia era tragédia. Não existia para eles, como existia para os cristãos, um céu onde a tragédia seria transformada em comédia. Ele se perguntou então das razões por que os gregos, sendo dominados por esse sentimento trágico da vida, não sucumbiram ao pessimismo.

A resposta que encontrou foi a mesma da ostra que faz uma pérola: eles não se entregaram ao pessimismo porque foram capazes de transformar a tragédia em beleza. A beleza não elimina a tragédia, mas a torna suportável. A felicidade é um dom que deve ser simplesmente gozado. Ela se basta. Mas ela não cria. Não produz pérolas. São os que sofrem que produzem a beleza, para parar de sofrer. Esses são os artistas. Beethoven – como é possível que um homem completamente surdo, no fim da vida, tenha produzido uma obra que canta a alegria? Van Gogh, Cecília Meireles, Fernando Pessoa…”

Ostra feliz não faz pérola – Rubem Alves

Quê Vazio?

o vazio existencial… está cheio de certezas… de negação.

o vazio essencial… é todo em si… espaço em expansão.

“A vida tem sua própria sabedoria. Quem tenta ajudar uma borboleta a sair do casulo a mata. Quem tenta ajudar o broto a sair da semente o destrói. Há certas coisas que têm que acontecer de dentro para fora.” Rubem Alves